Especialistas preocupados, mas otimistas: duração do Covid-19 ditará crise (ou não) do imobiliário

As vozes do setor acreditam que, apesar das dificuldades, empresas estão mais preparadas para enfrentar esta pandemia.
20 mar 2020 min de leitura

A pandemia coronavírus veio mudar drasticamente a vida das populações. Ainda é difícil prever o impacto deste surto a longo prazo, sobretudo, porque ainda ninguém sabe quando irá terminar. Os efeitos na economia global são dados como certos, e será difícil escapar à palavra recessão. No imobiliário, o espírito é otimista, mas cauteloso. Seis especialistas do setor em Portugal reuniram-se, esta terça-feira, 17 de março de 2020, para uma conferência online, inédita, sobre o futuro do imobiliário e o impacto do Covid-19 nos negócios. O espírito é unânime: avizinham-se tempos difíceis e, simultaneamente, tempos de oportunidades.

Perante uma plateia virtual de quase 1.000 espetadores, os especialistas do imobiliário português procuraram refletir sobre o momento atual, as consequências a médio e longo prazo deste surto no setor e responder às muitas dúvidas de quem faz dos negócios imobiliários a sua vida. A conferência “O Impacto do Covid-19 no Mercado Imobiliário”, organizada pela Associação Portuguesa de Promotores Imobiliários (APPII) e Vida Imobiliária (Vi), contou com a participação de José Cardoso Botelho, Managing Diretor da Vanguard Properties, Hugo Santos Ferreira, Vice-Presidente Executivo da APPII, Pedro Vicente, Board Member da Habitat Invest, Ricardo Sousa, CEO da Century 21 , José Araújo, Diretor da Direção de Crédito Especializado e Imobiliário do Millennium BCP e Ricardo Veludo, vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa (CML). O encontro online foi moderado por Gil Machado, diretor da Vi.

Ao longo do debate, os especialistas mostraram-se positivos, tentando, a cada momento, transmitir palavras de tranquilidade a quem trabalha no setor. Não tem dúvidas do impacto negativo que este vírus irá provocar na economia, não só em Portugal, mas no mundo, mas afastam por completo o cenário vivido na última crise. Acreditam que o setor imobiliário está mais preparado para contornar este obstáculo, e que o seu futuro dependerá, também, da duração desta pandemia. Ainda assim, novas oportunidades poderão surgir, mesmo perante as dificuldades.

Promotores, mediadores e bancos: o que pensam deste momento?

Hugo Santos Ferreira, da APPII, em contacto permanente com vários investidores, contou que, e pese embora o momento, “do lado dos investidores, sobretudo daqueles que investem na Europa, e em particular em Portugal, há uma visão de otimismo cauteloso”. Mostram-se apreensivos, sobretudo para o próximo mês e seguintes, uma vez que será difícil escapar a um impacto negativo que será generalizado a toda a economia. De acordo com o responsável, os investidores preveem que no espaço de 12 meses, “se tudo correr bem”, o setor conseguirá estar recuperado. Aproveitou ainda o momento para transmitir “uma palavra de tranquilidade” a todos os participantes.

Do lado da banca, José Araújo, do Millenium Bcp, deixou a nota que os “bancos estão hoje muito mais bem preparados para qualquer crise que venha a acontecer”. “Este tema do vírus poderá ser de curto prazo, esperando-se que não se prolongue mais do que 2 ou 3 meses, e depois se volte ao normal. Ou não, e isso complicaria a vida à banca e a todos”, referiu, adiantando que algumas medidas que estão a ser preparadas pelo Banco Central Europeu (BCE), nomeadamente no alargamento do prazo das obrigações que as entidades teriam de cumprir, podem ajudar.

Para Pedro Vicente, da Habitat Invest, referiu-se a este momento como algo inédito. Dizem estar preocupados, mas sobretudo focados na recuperação e oportunidades que poderão surgir. “Dentro da Habitat o espírito é de serenidade e paciência, estamos apostados em ultrapassar esta inconveniência e colocar esforços na recuperação”, disse. Um sentimento partilhado por José Cardoso Botelho, da Vanguard Properties, quando questionado sobre se o facto da empresa que lidera estar posicionada no segmento premium pode trazer um risco acrescido e de incerteza.

“Estamos num segmento premium e, neste momento de incerteza, achamos que estamos bem posicionados. Como temos uma força de vendas direta isso também nos ajuda, mas, nos últimos dias, verificámos que três ou quatro clientes da Ásia cancelaram as suas reservas, e clientes europeus pediram para adiar a assinatura de contrato promessa. Isso não se traduz num cancelamento do interesse, mas num atraso na celebração dos negócios. Estamos confiantes que vamos resolver esta situação", rematou.

E os mediadores? O que é que estão a sentir? Ricardo Sousa, da C21, referiu o registo da suspensão de visitas e abrandamento do investimento internacional como consequências do momento que estamos a viver, depois daquele que, para a C21, foi o melhor mês de sempre em termos de resultados. O responsável frisa, no entanto, que o que está a acontecer é sobretudo uma suspensão, e não uma retração, e "as pessoas estão à espera que o mercado normalize”.

Antecipa, além disso, um arrefecimento nos preços. “Os proprietários não têm tanto poder. Este arrefecimento é visto pelos compradores como uma oportunidade, o que vai provocar um aceleramento no segmento dos imóveis usados. Os particulares vão rever em baixa o preço dos seus imóveis, uma situação que se começava a verificar-se no ano passado mas que vai acelerar com o problema da pandemia”, adiantou.

O setor imobiliário está ou não preparado? 

A resposta foi unânime. Os especialistas concordaram que as empresas do setor estão hoje em dia mais bem preparadas para enfrentar momentos difíceis. Estão, sobretudo, mais profissionalizadas que antes.

“Achamos que esta é uma situação bastante diferente da que vivemos no ciclo anterior. O controlo desta epidemia poderá demorar algum tempo, mas será controlada. Acredito que o efeito será menos severo”, referiu Ricardo Sousa. “Apesar de tudo continuamos a fazer escrituras, não foram canceladas... a nossa grande preocupação é que esta situação se arraste no tempo”, acrescentou.

“Empresas estão mais bem preparadas, o setor da promoção profissionalizou-se muito nos últimos anos", acrescentou Hugo Santos Ferreira, advertindo, porém, para a necessidade de serem apresentadas medidas de emergência, nomeadamente em matéria de impostos, uma vez que o "estrangulamento da tesouraria das empresas será uma realidade".

José Araújo lembrou simultaneamente os compradores estrangeiros, que têm comprado sobretudo através de plantas, e que “esperemos que garantam a sua continuidade”. “Se o mercado demorar mais tempo a recuperar, essa talvez seja a principal ameaça aos promotores”, disse.

Apesar de otimista, Pedro Vicente não deixou de lembrar que, apesar de mais preparadas, “muitas empresas portuguesas seguem descapitalizadas e dependem muito de investimento estrangeiro”.

Espera nos licenciamentos, um eterno problema

A espera nos licenciamentos já era um problema, muito antes da chegada da pandemia. Mas pode agravar-se e condicionar a realização dos projetos, segundos os especialistas. Ricardo Veludo, vereador da CML, foi questionado sobre se este momento vai implicar ainda mais atrasos nos processos, e respondeu que neste momento a CML está a “ultimar a organização dos trabalhadores”, uma vez que 95% dos mesmos se encontram em teletrabalho.

“É uma realidade nova à qual nos estamos a adaptar. Mas vamos reunir esforços para continuar a apoiar a atividade normal do imobiliário e construção”, adiantou. Acrescentou ainda que não estão a fazer uma “aplicação cega dos prazos administrativos”, nomeadamente na entrega de documentos necessários, para que as pessoas possam também organizar-se.

Mais que nunca, disse, o objetivo passa por "implementar o projeto urbanismo digital, para que cada vez mais seja possível desmaterializar processos”.

Arrendamento voltará a ganhar dinamismo?

Alojamento Local vive um cenário dramático por estes dias. Segundo Hugo Santos Ferreira, este será (já está a ser) um dos segmentos mais afetados, tal como a hotelaria, uma vez que o turismo verá os números caírem a pique.

Pedro Vicente referiu que existe “uma franja de AL que não é profissional”, operada de forma familiar, e que "essas unidades vão passar ao mercado de arrendamento”. Uma visão partilhada por Ricardo Sousa. “No AL, ou se tem escala para reduzir os custos de manutenção, com várias unidades, ou deixa de ser rentável para quem tem um único imóvel. Com a dimiuição do turimo, este movimento acelerou nas últimas semanas", garantiu o responsável da C21. 

Hugo Santos Ferreira lembrou, apesar de tudo, que é preciso credibilizar este mercado, se quisermos que ele volte a ganhar dinamismo. “O arrendamento foi alterado mais de dez vezes na última década. É preciso estabilizá-lo do ponto de vista legislativo”, concluiu. O responsável da APPII deixou ainda uma lista de medidas que considera essenciais para que o impacto da pandemia no imobiliário não seja tão negativa, nomeadamente a isenção de IMI vencidos até ao fim do ano, isenção do IRC a pagar em julho, simplificação dos processos nas autarquias, linhas de apoio a tesouraria, por exemplo. 





Fonte: site Idealista - https://www.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao/2020/03/18/42762-especialistas-imobiliarios-preocupados-mas-otimistas-duracao-do-covid-19-ditara-crise#xts=582068&xtor=EPR-32-%5Bpassa_por_aqui_20200318%5D-20200318-%5Bm-02-titular-node_42762%5D-27037011@3

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